sábado, 28 de fevereiro de 2009

Uma Singela Homenagem

Hoje faço uma homenagem a uma figura talvez não muito presente na minha vida, mas marcante com certeza: meu tio-avô Nelson, falecido há um mês, exatamente.
E aqui reescrevo uma crônica que fiz, no começo do ano passado, de um dos seus causos. Nela há um pouco de ficção de minha parte (além da que o seu Nelson já havia colocado, obviamente) para soar um pouco mais agradável e compensar os meus lapsos de memória. Para soar mais como uma estória propriamente dito, até o nome de sua tambem falecida esposa D. Esperança eu mudei.
Enfim, vamos à crônica.





A Moral


Seu Nelson, "o desbocado", o velho, o italiano, o contador de "causos"... Meu tio-avô sempre foi um homem distinto e muito vivido. Funcionário público aposentado, boa praça, contador de histórias e muito falante, nunca media suas palavras. Fazia questão de ter sua cerveja quente e seu maço de cigarros no café da manhã, os quais só não eram sua única fonte de alimentação apenas por causa dos cuidados de sua esposa, Dona Dirce.

Eu não o via com freqüência, mas a cada oportunidade ele fazia uma verdadeira festa (mesmo eu sempre tendo que lembrá-lo quem sou eu). Talvez boa parte dessa alegria em me ver decorresse do fato de que eu era um dos poucos que tinha paciência em ouvir suas histórias. E eu realmente gostava de escutá-las! Ficava horas ouvindo suas desventuras nas ruas de São Paulo, nas quais ele visitava lugares incríveis, conhecia pessoas fantásticas e interessantíssimas, participava de histórias cabeludas, e todas elas durante o horário de serviço, pois ele nunca demorava em voltar pra casa. Lembro bem como ele começava a maioria de suas histórias... "Bem, foi assim, Velho..." - era assim que ele me chamava - " Eram 9 horas em ponto. Cheguei no serviço, bati o cartão, coloquei o casaco na cadeira e disse que ia ao banheiro: Estava pronto para sair."

Mas, de todas as histórias que ouvi, guardo uma na memória em especial... Certo dia, após perder para mim em um jogo de sinuca, eu já me gabando do feito (afinal o Seu Nelson era um exímio jogador mesmo com as mãos trêmulas e confundindo a cor das bolas), ele disse - provavelmente para eu parar de contar vantagem: "Velho... Sente aqui e venha ouvir uma história... Mas não é uma história qualquer. É a impressionante história de quando ganhei do campeão mundial! E de um modo não convencional...".

A história se passava num fim de tarde, logo após o - na época - Sr. Nelson ter acabado de inspecionar uma fábrica. No caminho de sua casa, ele parou em um boteco para repor seus cigarros e, como de costume, aproveita para beber sua cervejinha quente.
Estava acendendo o seu cigarro quando ouviu alguns sons de euforia na parte de trás do bar e ficou curioso. O motivo da gritaria era uma partida de sinuca em que um dos jogadores estava arrasando todos os outros. O Sr. Nelson ficou assistindo a partida, impressionado.
Após a última vitória, o talentoso jogador percebeu que estava sendo observado o tempo todo pelo meu tio-avô e por algum motivo qualquer, não gostou. Num tom arrogante, disse "Ei, você! O que você está olhando? Perdeu alguma coisa? Se quer me ver jogar, perca uma partida para mim e me pague uma cerveja".
Meu tio-avô sempre teve fama de desbocado, de não levar desaforo pra casa. Respondeu logo em seguida: "Vou ganhar de você e te dar uma lição!". Com descaso, o sujeito deu risada. Irritado, Sr. Nelson gritou: "Ah! Ganho de você usando uma mão só até!".
O sujeito ficou ofendido. Não disse uma palavra sequer, fechou a cara e preparar a mesa para o jogo. Ao se dirigir a ela, o Sr. Nelson foi informado de que o seu adversário não era apenas um bom jogador, era o campeão Mundial de sinuca. No mesmo momento ele se arrependeu do que disse... Deixou se levar pelo ego e se meteu em uma enrascada.

A partida começou, e o sujeito realmente era bom. Mas, impressionantemente, o Sr. Nelson conseguia jogar de igual pra igual. O jogo estava um páreo duro. Se, num grande esforço, o meu tio-avô encaçapava uma bola, o adversário derrubava duas. Se o sujeito fazia uma grande jogada e matava uma bola, num golpe de sorte, o Sr. Nelson empatava o jogo.

Nesse ritmo a partida foi, até que sobrou apenas uma bola. Era a vez do meu tio-avô jogar e a disposição do jogo não era a das mais favoráveis. Ele poderia fazer um jogo defensivo, dificultar a próxima tacada do adversário mas decidiu tentar acabar com a partida de uma vez. Ficou um tempo mirando... calculando... medindo... pensando... até que... pá! Segurando o taco com a sua mão direita, colocou toda sua força e empurrou a bola branca. Ela foi rapidamente na direção da bola preta e a acertou precisamente na extremidade esquerda, forçando-a a seguir em uma direção de quase 90º em relação a tragetória original da branca. Eis que a bola preta segue... rumo a caçapa do meio... e bate em uma das bordas! E em seguida na outra! Mas, majestosamente, ela cai e o jogo termina.

O adversário derrotado ficou calado, pasmo. Pagou a ficha referente à partida perdida e o prêmio: uma cerveja. "Quente!". Foi a única coisa que o Sr. Nelson disse ao campeão Mundial que acabara de vencer, como ele mesmo disse, de forma não convencional.

Ao fim da história, como de costume, ele contou a moral. Nesse caso, ele disse que se tratava de uma lição, para que eu nunca esquecesse que, por melhor que você seja, você pode perder num golpe de sorte, até mesmo para um cara arrogante.

E eu digo "nesse caso" pois cada vez que ouvi essa história, ele contava uma moral diferente. Umas das primeiras vezes que meu tio-avô a contou foi quando meu primo havia dito que ganharia dele facilmente e acabou perdendo de forma humilhante. Nesta vez, a moral ensinava que a humildade faz com que você evite certos embaraços. Também teve uma vez que meu pai estava todo orgulhoso pois havia vencido um campeonato de bilhar na sua firma e o Seu Nelson contou sua impressionante história mais uma vez apenas para dizer ao final: "A moral? A moral é que eu venci um campeão mundial de sinuca com apenas uma mão! Eu sou muito bom nisso!".

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